terça-feira, 16 de dezembro de 2008
Escrevo (I)
Escrevo porque as palavras, quando as sinto, têm frio. E precisam do calor dos olhos, do abrigo do papel, de proteger-se do inóspito, da rispidez com que as trato e, fora de mim, elas podem ser dóceis e acalentar-se de novos sentidos. Porque ditas, esvaem-se, exibidas, transmutam-se, expressas, recompõem-se. Porque do forno em que as liberto, ardem infernos, há óleo fervente. Porque as firo com o martelo na bigorna, dobrando-as, retorcendo-as, procurando uma obediência que elas nunca me têm.
Porque as palavras, minhas, abrigam mortos, deuses e pecados, abrigam temores, risos escancarados e impróprios, incenso e mirra, declaração de posse no cartório do céu da boca.
Escrevo porque os desertos são vastos e lá apodreceram os inocentes; os mares são revoltosos e lá todos os meus guias fizeram motins, porque os vendavais me atiçam, o desconhecido me alucina, porque as palavras copulam como devassas, messalinas, ninfomaníacas de sentidos, de reconhecimento, na minha alma.
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