terça-feira, 17 de junho de 2008

Silêncio


O poema atravessa,
como lâmina afiada,
o silêncio pesado
que cresce da fala

O trabalho da manhã,
ainda não concluído,
desta muda linguagem
de sons e fonemas

Roídos mecanismos,
engrenagens da língua,
do sigilo quase mudo
em nossas bocas cheias
de pútridas palavras

Palavra enigma do som
ainda não pronunciado,
cuja sintaxe ainda jorra
como jorra a clara água
da seca fonte

Fonte que não sacia a sede,
e jamais extingue a fome
de outras palavras, vazias,
em seu magro conteúdo

As mesmas palavras que,
belas, nascem de qualquer
fonte; fonte de coisas puras,
ainda sem nome

Fonte igual a qualquer fonte,
fonte de sons, de coisas
ácidas, alucinadas;
som que nos impele à fala

A mesma fala, soturna,
que nasce de qualquer
língua, do fácil silêncio
de qualquer palavra

Deste combate diário
entre o sono e a alegria,
enquanto o poema cava
o árido chão da poesia

O poema jamais cessa
seu trabalho inútil,
ainda não concluído,
pela extinta manhã

Enquanto surge o dia
o poema atravessa,
lâmina em brasa,
a pele do silêncio:
o núcleo do nada

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