terça-feira, 22 de abril de 2008
Barco Ancorado 22/04/2008
Nick Cave ofereceu ontem (segunda-feira) um concerto memorável no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. Não era tão negra como se esperava a tonalidade da roupa do público que esperava o cantor australiano e os seus Bad Seeds em mais uma noite de Coliseu completamente apinhado. A abrir o apetite, e com quase uma hora de concerto, Dave Graney & the Lurid Yellow Mist apresentaram-se em formato trio e percorreram os temas que compõem a carreira do compositor australiano, sobretudo do ainda inédito "We Wuz Curious".
Um único olhar geral chegava para perceber que a massa humana que decorava o Coliseu tinha nascido ainda antes da década de 80 mudar para sempre a história da música. É a geração que foi procurar os Birthday Party, depois de descobrir "From Her to Eternity" em 1984, a que acompanhou os devaneios de Henry em "Henry's Dream" em 1992 e a que aguentou a exasperação melancólica de "No More Shall We Part" já em 2001.
Não é a toa que se evoquem os 14 álbuns que Nick Cave editou com os Bad Seeds, porque é impossível desligar o homem do artista, e o músico do seu percurso. Cave em palco é tudo o que quisermos fazer dele. O pregador de 'Night of The Lotus Eaters' e o professor de 'Today's Lesson', as duas de "Dig,Lazarus, Dig!!!", o novo álbum e a maior viagem da sua obra ao âmago da América, cujo espírito Cave incorpora melhor do que muitos americanos.
'Red Right Hand', ainda mais intensa em palco, é um espécie de boas vindas a um inferno muito particular, com a musicalidade irrepreensível dos Bad Seeds, qual orquestra rock da escuridão. E apesar do preto geral, é o vermelho que começa a destacar-se. O do sol intenso do deserto atravessado em 'Dig,Lazarus,Dig!!!' e 'Moonland'. Mais dentro da sua própria interpretação com o avançar do concerto, Cave é agora a estrela de rock que sempre recusou ser. Dança, dialoga e até insulta com ironia o público, pede palmas, manda parar os temas. Não está longe. Está mesmo ali. Do outro lado, a assistência pede os temas mais antigos. E os músicos correspondem com 'Deanna' e o excelente 'The Ship Song', em absoluto coro.
'Jesus of the Moon' tira-nos do deserto e embala-nos em vagões cheios da herança de Dylan, que mais tarde o próprio Cave invoca com 'Wanted Man', o tal tema que Dylan escreveu com Johnny Cash em 1969. E aos poucos um outro Cave começa a aparecer. O poeta e amante de 'Lie Down Here (& Be My Baby)' e 'I Let Love In', do álbum com o mesmo nome de 1994. A fechar 'Get Ready For Love' traz "Abbatoir Blues" e 'Stagger Lee', a referência ao histórico assassínio que revisitou em "Murder Ballads".
Quando Cave voltou a palco no Coliseu dos Recreios, ficou a sensação que uma nova parte do espectáculo ia começar. Depois de pedir a colaboração do público para 'The Lyre of Orpheus ', com cheiro a improviso oferece os antigos 'Your Funeral...My Trial', 'Straight To You' e o esperado 'Into My Arms', num arrepiante sussurro de final de noite a dois. Sem arredar pé, o público não se faz rogado e pede mais um encore. Em absoluta noite de generosidade, e à laia de laboratório para a digressão que começou nessa noite, Cave continua a apresentar os temas novos, com 'We Call Upon the Author' e 'Albert Goes West'. A acabar 'Nobody's Baby Now'. «Adoro-vos» diz para rematar. E lá foi ele, já sem ser o mesmo. Nick Cave, um privilégio que passou por Portugal.
Alinhamento
Nick Cave - Red Right Hand
Nick Cave – The ship song
Leonard Cohen – Waiting for the miracle
Lou Reed – Perfect day
Nick Cave – Stagger Lee
Tom Waits – Little drop of poison
Joy Division – She's lost control
Jeff Buckley – Last goodbye
Nick Cave – Into my arms
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