quarta-feira, 3 de setembro de 2008
A voz do vale (II)
O som do rio do vale aumenta, diminui, desaparece, mas não é o rio que muda. Quando as ondas da nossa mente se acalmam, podemos ouvir o sermão sem palavras da água, das gotas, da erva, das árvores, dos seixos e das montanhas, que nos ensinam a transitoriedade de todas as coisas. Quando surgem pensamentos, todos se calam. Na verdade, eles não deixam de falar; nós é que perdemos a capacidade de ouvi-los.
O que acontece com os nossos ouvidos também acontece com os nossos olhos. Quando o olhar da mente é límpido, vemos tudo como realmente é, de modo natural. Mas assim que os olhos se distraem com objectos externos, não vemos mais. Perdemos a capacidade de ver correctamente. Sons e imagens atacam-nos, arrastam-nos, puxam-nos. Coisas que deveríamos ver, não vemos. Coisas que deveríamos ouvir, não ouvimos.
Se escutarmos o rio sem atenção, a água que corre parece ter um ritmo constante e ininterrupto. Entretanto, nenhuma gota d'água passa duas vezes sobre a mesma pedra. Não é nunca a mesma gota que forma o leito do rio ou o murmúrio da correnteza. A imutabilidade é apenas uma ilusão dos olhos e dos ouvidos humanos. Uma vez que tenha passado, a água não corre nunca mais no mesmo ponto do rio.
A vida humana não é diferente. Acreditar que ontem é igual a hoje é resultado da nossa ignorância e insensibilidade. Os olhos iluminados vêem claramente a imagem das coisas em eterno movimento e reconhecem que um instante é diferente de qualquer outro.
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