segunda-feira, 17 de maio de 2010

Barco Ancorado 17/05/2010


O que acontece quando as peças desgovernadas de várias – e oleadas – locomotivas rock como Bunnyranch, Tédio Boys e Parkinsons chocam de frente com uma voz de veludo como a de Tracy Vandal? A resposta é simples, mas nem por isso menos surpreendente: nasce, à mesa de «uma espelunca» regada a cerveja, um grupo chamado Tiguana Bibles, que agora se estreou com um EP de canções que parecem existir desde sempre, ou pelo menos desde que Nancy Sinatra, Jane Birkin e demais deusas do desfrute tornaram aceitável – e desejável! – que a luxúria e demais pecadilhos encarnassem em voz de mulher. Em tempos companheira de Alex Kapranos, agora líder dos Franz Ferdinand, na defunta banda Karelia, Tracy Vandal é a «voz açucarada» a que Victor Torpedo (guitarra), Carlos «Kaló» Mendes (bateria) e Pedro Serra (contrabaixo) se referem quando recordam o «parto» dos Tiguana Bibles.
A banda de Coimbra esteve no Café Concerto do Centro Cultural Vila Flor na passada sexta-feira e hoje escutamos a sua música no Barco Ancorado.

Desde os primeiros ensaios ao final das gravações, os quatro músicos, que no mapa-mundo se assinalam entre Coimbra e Londres, encontraram «o som mais fixe» que já haviam criado juntos. Tendo em conta que todos os cavalheiros são, por direito próprio, membros da fervilhante e histórica cena de Coimbra, tendo partilhado palco e estúdio amiúde, esta era a conclusão mais encorajadora a que podiam ter chegado. Os Tiguana Bibles, insistem estas figuras de proa do rock português, não são um super-grupo mas antes uma simples reunião de velhos amigos. O álbum de estreia, “Child of the moon”, traz canções imperdíveis como «Lost Words» (lânguido hino de libertação amorosa, também disponível em versão mais viçosa, na «reprise» que encerra o disco) ou «Child of the Moon, um delicioso rockabilly de trato fácil. Produzido por Boz Boorer, colaborador e músico de Morrissey que, já em estúdio, não resistiu a tocar também ele vários instrumentos, a estreia dos Tiguana Bibles conquista pela forma como combina romantismo negro e quebrado, passo firme e imaginário nítido – o nome da banda é uma adaptação «réptil» das «tijuana bibles», pequenos livros ilustrados e clandestinos, muito populares nos Estados Unidos durante a Grande Depressão.

Ao invés da sátira politicamente incorrecta, os Tiguana Bibles preferem pintar quadros de harmonia e integração (entre a América do Norte e a sua congénere latina, como na «reprise» de «Lost Words», ou entre a doçura das melodias e alguma perversidade das letras), num som polido que, por cá, encontra vizinhos possíveis nos discos de Sean Riley and the Slowriders ou Unplayable Sofa Guitar. Por esta altura, poderá estar a perguntar-se onde ficou toda a raiva rock que transborda das margens do Mondego e tingiu de vermelho vivo as bandas em que três quartos dos Tiguana Bibles militavam, ou ainda militam, ardentemente. Essa raiva está domesticada e devidamente acondicionada na forma de canções portáteis, cheias de alma e prontas a serem guardadas no bolso do coração.

Breve mas intenso, o EP “Child of the moon” é um shot do seu sabor favorito, que pede para ser tragado de uma só vez num saloon – ou leitor de música – perto de si. Com cinco delicadas canções, da lavra do furacão de palco Victor Torpedo, os Tiguana Bibles tornam-se num segredo que merece ser contado a toda a gente. Foi contado na sexta-feira no Café Concerto do CCVF.

Alinhamento
Tiguana Bibles – Lost words
Tiguana Bibles – Child of the moon
Sean Riley & The Slowriders – Hold on
Mazgani – The river of lions
Tiguana Bibles – Agains the law
Linda Martini – Adeus tristeza
Três Tristes Tigres – Zap canal
Tiguana Bibles – Lonesome town

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