segunda-feira, 4 de abril de 2011

Barco Ancorado 04/04/2011


Na passada semana houve casa cheia para Cristina Branco no bonito Teatro São Luiz, em Lisboa. No palco esperavam-na um piano de cauda, um contrabaixo e um acordeão, instrumentos que davam a partida para uma viagem que se previa de longo curso mas que voltaria sempre às ruas do fado. E tudo até começou a seguir a pauta do fado tradicional com “Não É Desgraça”, do novo "Não Há Só Tangos em Paris". “Trago um Fado” de "Kronos" antecede a confissão de estar nervosa. Segue-se o francês de Baudelaire tratado com luxo pela fineza da voz de Branco e o veludo do piano de João Paulo Esteves da Silva, em “Invitation au Voyage”. E de seguida, o São Luiz sentiu ao de leve o perfume dos Deolinda com “Não Há Só Tangos em Paris”, escrita pelo «amigo» Pedro da Silva Martins.

Sempre humilde, Branco apresentou em tom de reverência, todos os autores das canções. Do outro lado, o público, sempre respeitoso, estendeu ao máximo a duração dos aplausos, numa troca muda de elogios. Ouviu-se então o castelhano na canção tradicional argentina “Serenata”, sempre sussurrada pelo acordeão. E com “Ancião en Paris”, de repente estávamos entre La Boca e Montmartre. Entre Buenos Aires e Paris. Porque o «fado canta-se e dança-se sempre da mesma maneira onde quer que seja», ouviu-se depois em “Longe do Sul” de Carlos Bica. Voltamos ao último disco com “Dá-me o Braço Anda Daí”, porque o «fado tem um lado muito sensual» e o poema de Manuela de Freitas sobre a música de “Fado Súplica” chamado “Se Não Chovesse Tanto, Meu Amor”.

Com o avançar do concerto, Branco foi ficando mais descontraída, baixando de vez a guarda quando o guitarrista Bernardo Couto partiu a unha logo ao início de um tema instrumental, um prelúdio inesperado para o que viria a ser um dos grandes momentos do concerto. Para não parar o espectáculo, Branco chamou mais cedo Mário Laginha para dar música a um poema de António Lobo Antunes. Só piano e voz para “Quando Julgas que me Amas”. E é nestes momentos de nudez musical que voltamos a perceber porque é que no meio de uma geração de intérpretes únicas de fado, Cristina Branco é um caso especial. Pela forma como se rodeia de músicos vindos de outros mundos. Pela maneira como dá vida às suas composições. Pela naturalidade com que foge do fado para outros caminhos. Por trilhos como “Um Amor” de Laginha e Maria João, cantado com igual emoção em castelhano. Ou como o clássico da música cubana “Dos Gardénias”.

Entre todas as viagens onde Cristina Branco nos leva, há sempre um regresso ao ponto de partida: a genealogia do fado. Aliás a cantora acabaria por deixar essa espinha dorsal completamente à mostra quando apresentou o homem do jazz (e do contrabaixo), Bernardo Moreira, com um expressivo «tu de fado não percebias nada. Mas aprendeste rapidinho».
A audiência ainda ficou a saber que o homem das letras,Carlos Tê, «também compõe», embora tenha sido com «alguma timidez» que ofereceu a Branco a música para “Canção de Amor e Piedade”.

Alinhamento
Cristina Branco – Não há só tangos em Paris
Cristina Branco – Se não chovesse (Fado Súplica)
Ana Moura – Os búzios
Katia Guerreiro – Estranha paixão
Dulce Pontes – Não é desgraça ser pobre
Cristina Branco – Dos Gardénias
Camané – A cantar é que te deixas levar
Carlos do Carmo – Canoas do Tejo
Deolinda – Fado castigo
Cristina Branco – Canção de amor e piedade

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